O presente texto foi escrito sob a perspectiva de contribuir para que o leitor possa refletir sobre humanização e saúde. Essa reflexão deve estar focada em dois pontos fundamentais: o significado que atribuímos à saúde, e como entendemos a humanização no contexto dos serviços de saúde.
A saúde é fundamental para o organismo funcionar bem e realizar com efetividade todas as funções dos diferentes órgãos que integram o corpo humano. Constitui fator determinante para que a pessoa possa viver bem e com dignidade, realizando todas as ações que lhe são próprias enquanto pessoa humana e aquelas que são de sua competência enquanto cidadã / cidadão, e integrante de uma sociedade.
Esta concepção está contemplada na definição de Saúde, como um estado de completo bem-estar físico, mental, social e espiritual, e não apenas a ausência de doenças ou enfermidades. A Constituição Federal do Brasil determina a saúde como direito social, inerente à condição de cidadania, que deve ser assegurado sem distinção de raça, de religião, ideologia política, condição socioeconômica, ou qualquer outra segregação.
Saúde no contexto social
A temática saúde está presente no atual contexto social do Brasil; ora designando uma área específica de conhecimento científico, ora significando um estado de equilíbrio de um indivíduo que se encontre em condições ideais, ou em estado de harmonia no funcionamento de seus órgãos.
Aparentemente isso é simples, porém, os conceitos e até mesmo as definições de saúde apresentam conotações específicas de cada seguimento social em seu espaço temporal.
Além disso, questões políticas, ideológicas, valores morais, éticos e preconceitos comportamentais dificultam e até comprometem iniciativas governamentais voltadas para a melhoria das condições de vida, do bem-estar, da saúde dos grupos populacionais específicos e da população em geral.
O que é humanização na saúde?
Nesse contexto, questionamos o que entendemos por humanização na saúde?
Uma ideia que vem facilmente à mente é que Humanização significa tornar humano, realizar uma ação que possa transformar algo em humano, que possa humanizar. Mas como isso seria possível, se as pessoas já são humanas?
Nos serviços de saúde, os profissionais já são humanos, os usuários “pacientes” são seres humanos. Olhando o aspecto material, como poder-se-ia tornar humano algo que foi planejado, algo fabricado pelo ser humano, ou um processo realizado pela mulher ou pelo homem?
Ressalte-se que, humanização não consiste em tornar humano o que já é humano ou o que é material ou instrumental, mas algo que envolve valorização dos seres humanos, observando-se aspectos que dão sustentação às determinações da moral e da ética ao lidar com pessoas.
Humanização e relações interpessoais
Sob o ponto de vista interpessoal, essa valorização estaria implícita nas relações: gestão x profissional e profissional x usuários dos serviços.
Humanizar não se refere a uma progressão na escala biológica ou antropológica, o que seria totalmente absurdo, mas o reconhecimento da natureza humana em sua essência e a elaboração de acordos de cooperação, de diretrizes de conduta ética, de atitudes profissionais condizentes com valores humanos coletivamente pactuados (RIOS, 2009), para gerar bem-estar.
Políticas públicas e serviços de saúde
Em âmbito das políticas públicas, especificamente nos contextos dos serviços de saúde, ‘humanização’ diz respeito à transformação dos modelos de atenção e de gestão nos serviços e sistemas de saúde, indicando a necessária construção de novas relações entre gestores e profissionais, entre gestores, profissionais e usuários dos serviços, e na relação dos trabalhadores entre si.
Nos serviços de saúde, a humanização implica satisfação com as práticas concretas, que promovam saúde e qualidade de vida das pessoas integrantes dos processos ali desenvolvidos.
Implica valorização dos sujeitos nesse processo; mas para o profissional atender bem o usuário vai precisar de condições adequadas de trabalho, e a participação dos diferentes sujeitos envolvidos no processo saúde x doença (CAMPOS, 2000).
Humanização como prática concreta
A humanização ainda pode ser entendida como a operacionalização de um processo de conduta, como a observância a uma determinação filosófica ou aplicação de um modelo pactuado para prestar assistência aos usuários dos serviços.
Humanização implica uma forma de acolher, compreender, abordar, cuidar, perceber e respeitar o indivíduo em um momento de fragilidade (LAZZARI, JACOBS e JUNG, 2012).
Implica tratar de forma igual os desiguais (gestores, profissionais e usuários), pois cada um tem personalidade diferente, ocupa posição diferente na sociedade, detém crenças, traços culturais, educação, famílias e relacionamentos diferenciados.
Porém, são todos seres humanos, dignos de respeito e valorização. São seres únicos e especiais nos diferentes meios e circunstâncias, devendo ser tratados de forma personalizada, seja qual for a posição que se encontrem na interação do cuidar em saúde.
Ninguém tem o direito de referenciar o outro com uma doença que o acomete, com um procedimento a que vai ser submetido, ou o número do leito que vai ocupar, mas como um ser que se encontra no processo saúde x doença na condição de sujeito (cidadã ou cidadão).
Assim, não se pode falar de humanização sem entender o que é moral, o que significa ética/bioética, e como observar e colocar em prática as determinações éticas e morais inerentes à interação nos serviços de saúde.
Referências
- Campos, G.W. Um método para análise e cogestão dos coletivos: O Método da Roda, S.P. 2000
- Lazzari, D.D.; Jacobs, G.L.; Jung, W. Humanização da Assistência a partir da formação. R. UFSM, 2012
- Rios, I.C. Humanização: a essência da ação técnica e ética nas práticas de saúde. R.B.E.M. RJ. 2000
Carlos Bezerra de Lima
Enfermeiro, Especialista, Mestre e Doutor
Imagem criada com ChatGPT | 29/09/2025