O Tempo da Quaresma é um período privilegiado na vida da Igreja, pois enfatiza o forte apelo à conversão e à mudança de vida – uma verdadeira metanóia, palavra grega que significa transformação e renovação espiritual. Essa mudança nos prepara para a celebração da Páscoa do Senhor, cuja grande expressão celebrativa acontece no Tríduo Pascal, recordando a morte e a ressurreição de Jesus.
A caminhada quaresmal é acompanhada pela Campanha da Fraternidade (CF), que, a cada ano, propõe um tema relevante para a vida cristã. O Texto-Base da CF deste ano destaca:
“O Tempo da Quaresma está marcado pela penitência e a conversão, que exigem atitudes individuais de cada fiel, caracterizadas pelo jejum, a contrição, a confissão da nossa condição de pecadores e a preparação para a Páscoa” (CF, n. 92).
Os exercícios quaresmais – oração, caridade (esmola) e jejum – representam um esforço pessoal com impacto comunitário. O jejum, por exemplo, assim como outras penitências, é visto pela Igreja como uma forma de educação espiritual: privar-se de algo e transformá-lo em serviço ao próximo.
A conversão integral: um chamado para a transformação
A Quaresma nos impulsiona a uma conversão integral, que envolve o interior de cada pessoa e reflete na sociedade. Um exemplo marcante dessa transformação é a conversão de São Paulo, que, ao encontrar-se com Cristo Ressuscitado, passou de perseguidor a missionário:
“Caiu um soldado e levantou um missionário” (cf. At 9,1-22; 22,3-16).
Inspirados nessa experiência, somos chamados a viver a Quaresma como um tempo de renovação e compromisso com a fé.
O tema da Campanha da Fraternidade 2025, “Fraternidade e ecologia integral”, e seu lema, “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31), reforçam a necessidade de cuidar da nossa Casa Comum. Esse lema nos remete ao relato da criação, no qual Deus contempla sua obra com admiração e amor:
“Deus viu tudo o que havia feito. Eis que era muito bom” (Gn 1,31a).
A dignidade humana e a beleza da criação nos convocam a uma relação de cuidado e responsabilidade com o mundo que nos cerca.
Conversão pastoral e compromisso missionário
A Campanha da Fraternidade nos leva a refletir sobre a necessidade de uma conversão que vá além do âmbito espiritual, alcançando também o social, o econômico e o moral. O Documento de Aparecida nos recorda:
“A conversão pastoral de nossas comunidades exige que se vá além de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária” (DAp, n. 370).
Essa conversão está ligada à nossa vocação cristã e ao nosso compromisso batismal. O Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si’, destaca a urgência da conversão ecológica e social, afirmando que o cuidado com a criação faz parte da missão cristã (LS, n. 216-221).
O tema da Campanha da Fraternidade dialoga com a tradição da Doutrina Social da Igreja, que há mais de um século reflete sobre questões sociais. Algumas encíclicas importantes nesse contexto incluem:
- Rerum Novarum (Leão XIII, 1891), a primeira encíclica social da Igreja;
- Quadragesimo Anno (Pio XI, 1931);
- Mater et Magistra (João XXIII, 1961);
- Populorum Progressio (Paulo VI, 1967);
- Sollicitudo Rei Socialis (João Paulo II, 1987);
- Centesimus Annus (João Paulo II, 1991), que propõe uma releitura da Rerum Novarum.
Esses documentos reforçam o compromisso cristão com a justiça social, a solidariedade e o bem comum.
A Quaresma e a Pastoral da Saúde
O caráter social da Quaresma também se reflete na Pastoral da Saúde, que atua na educação e na prevenção de doenças, incentivando o cuidado integral da pessoa em suas dimensões física, psíquica, social e espiritual. Inspirados pela reflexão da Campanha da Fraternidade, somos chamados a ser “ouvidos, voz e mãos” na construção de uma sociedade mais justa e solidária.
A Quaresma é, portanto, um tempo de profunda transformação e compromisso. Que possamos vivê-la com autenticidade, buscando não apenas a conversão individual, mas também contribuindo para a construção de um mundo mais fraterno e sustentável.
Pe. Gilmar Antônio Aguiar, MI
Assessor Eclesiástico da PSN
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