A sabedoria não é um conhecimento teórico, abstrato, fruto de raciocínios; antes, como a descreve São Tiago na sua Carta, é «pura (…), pacífica, indulgente, dócil, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem hipocrisia» (3, 17). Trata-se, por conseguinte, de uma disposição infundida pelo Espírito Santo na mente e no coração de quem sabe abrir-se ao sofrimento dos irmãos e neles reconhece a imagem de Deus. Por isso, façamos nossa esta invocação do Salmo: «Ensina-nos a contar assim os nossos dias, para podermos chegar à sabedoria do coração» (Sal 90/89). Sabedoria do coração é servir o irmão. No discurso de Jó que contém as palavras «eu era os olhos do cego e servia de pés para o coxo», evidencia-se a dimensão de serviço aos necessitados por parte deste homem justo, que goza duma certa autoridade e ocupa um lugar de destaque entre os anciãos da cidade. A sua estatura moral manifesta-se no serviço ao pobre que pede ajuda, bem como no cuidado do órfão e da viúva (cf. 29, 12-13).
Também hoje quantos cristãos dão testemunho – não com as palavras mas com a sua vida radicada numa fé genuína – de ser «os olhos do cego» e «os pés para o coxo»! Pessoas que permanecem junto dos doentes que precisam de assistência contínua, de ajuda para se lavar, vestir e alimentar. Este serviço, especialmente quando se prolonga no tempo, pode tornar-se cansativo e pesado; é relativamente fácil servir alguns dias, mas torna-se difícil cuidar de uma pessoa durante meses ou até anos, inclusive quando ela já não é capaz de agradecer. E, no entanto, que grande caminho de santificação é este! Em tais momentos, pode-se contar de modo particular com a proximidade do Senhor, sendo também de especial apoio à missão da Igreja.
Sabedoria do coração é estar com o irmão. O tempo gasto junto do doente é um tempo santo. É louvor a Deus, que nos configura à imagem do seu Filho, que «não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão» (Mt 20, 28). Foi o próprio Jesus que o disse: «Eu estou no meio de vós como aquele que serve» (Lc 22, 27).
Com fé viva, peçamos ao Espírito Santo que nos conceda a graça de compreender o valor do acompanhamento, muitas vezes silencioso, que nos leva a dedicar tempo a estas irmãs e a estes irmãos que, graças à nossa proximidade e ao nosso afeto, se sentem mais amados e confortados. E, ao invés, que grande mentira se esconde por trás de certas expressões que insistem muito sobre a «qualidade da vida» para fazer crer que as vidas gravemente afetadas pela doença não mereceriam ser vividas!
Sabedoria do coração é sair de si ao encontro do irmão. Às vezes, o nosso mundo esquece o valor especial que tem o tempo gasto à cabeceira do doente, porque, obcecados pela rapidez, pelo frenesim do fazer e do produzir, esquece-se a dimensão da gratuidade, do prestar cuidados, do encarregar-se do outro. No fundo, por detrás desta atitude, há muitas vezes uma fé morna, que esqueceu a palavra do Senhor que diz: «a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40).
Por isso, gostaria de recordar uma vez mais a «absoluta prioridade da “saída de si próprio para o irmão”, como um dos dois mandamentos principais que fundamentam toda a norma moral e como o sinal mais claro para discernir sobre o caminho de crescimento espiritual em resposta à doação absolutamente gratuita de Deus» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 179). É da própria natureza missionária da Igreja que brotam «a caridade efetiva para com o próximo, a compaixão que compreende, assiste e promove» (Ibid., 179).
Sabedoria do coração é ser solidário com o irmão, sem o julgar. A caridade precisa de tempo. Tempo para cuidar dos doentes e tempo para os visitar. Tempo para estar junto deles, como fizeram os amigos de Jó: «Ficaram sentados no chão, ao lado dele, sete dias e sete noites, sem lhe dizer palavra, pois viram que a sua dor era demasiado grande» (Job 2, 13). Mas, dentro de si mesmos, os amigos de Jó escondiam um juízo negativo acerca dele: pensavam que a sua infelicidade fosse o castigo de Deus por alguma culpa dele. Pelo contrário, a verdadeira caridade é partilha que não julga, que não tem a pretensão de converter o outro; está livre daquela falsa humildade que, fundamentalmente, busca aprovação e se compraz com o bem realizado.
A experiência de Jó só encontra a sua resposta autêntica na Cruz de Jesus, ato supremo de solidariedade de Deus para conosco, totalmente gratuito, totalmente misericordioso. E esta resposta de amor ao drama do sofrimento humano, especialmente do sofrimento inocente, permanece para sempre gravada no corpo de Cristo ressuscitado, naquelas suas chagas gloriosas que são escândalo para a fé, mas também verificação da fé (cf. Homilia na canonização de João XXIII e João Paulo II, 27 de Abril de 2014).
Mesmo quando a doença, a solidão e a incapacidade levam a melhor sobre a nossa vida de doação, a experiência do sofrimento pode tornar-se lugar privilegiado da transmissão da graça e fonte para adquirir e fortalecer a sapientia cordis. Por isso se compreende como Jó, no fim da sua experiência, pôde afirmar dirigindo-se a Deus: «Os meus ouvidos tinham ouvido falar de Ti, mas agora vejo com os meus próprios olhos»(42, 5). Também as pessoas imersas no mistério do sofrimento e da dor, se acolhido na fé, podem tornar-se testemunhas vivas duma fé que permite abraçar o próprio sofrimento, ainda que o homem não seja capaz, pela própria inteligência, de o compreender até ao fundo. ( MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO ,PARA O XXIII DIA MUNDIAL DO DOENTE 2015).
Camilo não era teólogo mais mestre na Sabedoria do coração “Sapientia cordis” . Afeto e ternura em São Camilo são elementos fundamentais na espiritualidade camiliana. Na primeira regra que escreveu para orientar a vida da comunidade nascente dizia: “ Em primeiro lugar, cada qual peça a Deus que lhe dê um afeto materno para com o próximo, afim de podermos servi-lo com todo amor, tanto na alma quanto no corpo, pois, com a graça de Deus, desejamos servir todos os doentes com o mesmo carinho que uma extremosa mãe dedica ao seu filho doente”.
Suas recomendações referente ao cuidado com os enfermos chega aos mínimos detalhes a ponto de pedir que os seus seguidores amassem os doentes como a mãe que cuida de seu único filho enfermo. Até mesmo para administrar as refeições aos enfermos existiam normas bastante detalhadas. Vejamos: Ao assistir os dentes na hora da refeição, cada qual procure, com amor e palavras atenciosas, estimulá-los a se alimentar, erguendo-lhes a cabeça e prestado-lhes outros serviços, conforme o Espírito Santo inspirar, mas sempre respeitando a vontade dos doentes.
Ao arrumar as camas procure, com diligência e amor, mudar os lençóis e as roupas quando estiverem sujas, avisando com simplicidade e bondade o encarregado. Quando for necessário levantar os doentes da cama com os braços, procure ergue-los com toda caridade possível, evitando movimentá-los muito ou deixá-los apanhar frio. Cubra-os logo que estiverem fora da cama e tome cuidado para que fiquem com a cabeça erguida.
Quando um doente estiver muito grave e já perto da morte, não arrume sua cama sem antes falar com o médico, a fim de não lhe encurtar a vida. Se, porém, a cama estiver muito suja, procure limpá-la sem mexer o doente e sem incomodá-lo. Quando o doente for desenganado pelo médico ou estiver em agonia, faça-se o possível para ajuda-lo a morrer bem.
Evite-se com toda a diligência possível tratar os doentes com maus modos, isto é, com palavras grosseiras ou coisas semelhantes. Antes, sejam tratados com mansidão e amor, lembrando as palavras do Senhor: “ O que fizerdes ao menor destes, foi a mim que o fizestes”. Por isso, cada qual considere o pobre como a pessoa do Senhor.’
Somente quem tem um amor muito grande lembraria de dar estas recomendações. A pessoa que está preocupada com consigo mesmo ou com seu status ou com lucros pensaria em planos estratégicos sobre a melhor forma de conseguir uma grande clientela capaz de garantir lucros exorbitantes. Camilo está preocupado com a pessoa humana e com seu bem estar. A motivação dele não é os dólares e os euros que um enfermo poderá render para o hospital, mas é a presença de Nosso Senhor que deseja ser amado e servido na pessoa do enfermo.
Um dia, na rua, viu um pobre doente abandonado. Ergueu-o do chão e enquanto o acompanhava ao hospital do Espírito Santo, ao passar em frente à porta de uma casa, uma senhora que varria, levantava contra ele pó e sujeira. Camilo disse-lhe: “Senhora, por favor, espere um pouco e tenha respeito enquanto passa esse pobrezinho” e apontou para o doente com grande respeito.
Lembra o padre Cicatelli- acudiam os doentes no hospital do Espírito Santo que parecia que não estivessem atendendo homens mortais e mais miseráveis, mas ao próprio Cristo doente e cheio de feridas naquelas camas e todos os que os viam ficavam admirados e edificados por sua caridade”.
Acontecia, às vezes, que os empregados do hospital deixavam aos cuidados do Santo os doentes mais sujos e diziam com ironia e desprezo: “Vamos deixar esses fedidos para o padre Camilo” O Sevo de Deus, se, de uma parte, recriminava o indigno tratamento que davam aos membros de Cristo, de outro, alegrava-se por sanar aquela falta com seu respeito e com a sua caridade.
A caridade de Camilo foi desinteressada. Nos enfermos procurou e encontrou apenas Cristo. Ricos e pobres, nobres e plebeus, sábios ou ignorantes, amava-os indistintamente e servia-os com igual caridade, pois não esperava nada deles, mas só de Deus:” Servir, confortar e atender os doentes sem distinção de pessoas, pois Deus quer assim”.
Se havia alguma preferência a fazer, essa deveria ser para os mais pobres e necessitados: “meus filhos”, recomendava aos seus Religiosos, “atendam de preferência os doentes mais pobres, mais abandonados, para ajudá-los e assisti-los até a morte”.
Um dia, ao arrumar a cama de um doente, que por estar muito mal não tinha sido virado há alguns dias e havia criado vermes, Camilo, tirando o travesseiro infestado de vermes, chamou os seus Religiosos que estavam na enfermaria e levando-o aos lábios, beijou-o e disse comovido: “Ó! irmãos, eis as gemas, eis as pérolas que coroarão no céu os bons e perfeitos Ministros dos Enfermos”.
Um dia um Religioso estava ajudando Camilo a dar banho e trocar um doente. Como não tinha prática sujou as mãos e mostrou nojo. O Santo disse-lhe carinhosamente:” Filho, leve em conta estas luvas de ouro, pois a caridade deve ser feita com alegria e coração aberto”. “Deus queira”, suspirava,” que eu seja digno de morrer com as mãos imersas na prática da caridade com os doentes”.
Quando, em 1590-91, por causa da carestia e da epidemia que assolavam Roma, houve quem julgasse necessário mandar embora os pobres que tinham condições de arrumar um pouco de comida num outro lugar, Camilo protestou com veemência. Tomado um dia com grupo de pobres que estava sendo mandados embora, compadeceu-se deles e pôs-se a segui-los, insistindo com encarregado que não executasse as ordens recebidas, até que conseguisse interceder por eles. Comprometeu-se a alimentá-los ele próprio. O oficial aguentou quanto pôde, mas, depois, vencido pela súplicas e lágrimas de Camilo, acabou entregando-lhe alguns daqueles pobres.
Em certa ocasião, estando o hospital abarrotado e sem camas, foi necessário acomodar os doentes no chão, sobre palha. Camilo, triste e desolado, queixou-se:” Estou comendo pão de amargura ao ver os membros de Cristo sofrendo, sem poder prestar-lhes o socorro de que precisam”.
Segundo o testemunho do padre Pelliccioni Camilo ao cuidar dos doentes “parecia realmente uma choca sobre seus pintainhos, ou, então, uma mãe perto de seu filho doente. Pois que, como se suas mãos e seus braços não externassem todo o seu carinho, geralmente se inclinava e encurvava sobre o doente, quase querendo, com o coração e com a respiração e com o espírito proporcionar-lhe a ajuda de que estivesse precisando. E antes de se afastar daquela cama, ajeitava mil vezes o travesseiro e as cobertas, na cabeceira, nos pés e dos lados: e como se atraído ou retido por um ima invisível parecia não encontrar o caminho para ir embora, indo e voltando muitas vezes de um lado para outro da cama, duvidando e perguntando ao doentes se sentia bem, se precisava de alguma outra coisa, e, exortando-o a ter paciência, falava-lhe de muitas coisa espirituais”.
Ele próprio ensinava a seus Religiosos como arrumar as camas. A primeira aula dava-a em casa. Punha uma cama no meio da sala com cavaletes, tábuas, colchão, lençóis, cobertas, travesseiros- “para ver diz o padre Lavagna-se sabiam arrumar a cama como ele queria”. Em seguida, um religioso deitava na cama e, completando a aula, ensinava como trocar os lençóis e outras roupas do doente. Mas não queria que aprendessem apenas a técnica, queria ver, sobretudo caridade com que trabalhavam.
No hospital, todos, padres e irmãos, deviam prontificar-se para arrumar as camas com amor e dedicação: “Quando for dado o sinal para arrumar as camas dos doentes, cada qual vá imediatamente à sua enfermaria e arrume as camas juntamente com o companheiro indicado pelo superior”.
Um serviço de tamanha importância deveria ser feito, no entender de Camilo, com muito espírito de fé e por isso determinou: “Ao arrumar as camas rezem-se salmos ou outras orações”.
Um dia foram contar a Camilo que um pobre tinha caído numa cloaca. Foi logo para o local, tirou o coitado,levou-o para o hospital, tirou-lhe a roupa, lavou-o e coloco-o numa cama limpar e quente, salvado-lhe a vida.
Além da limpeza geral, Camilo cuidava muito da limpeza das mãos, do rosto e da boca dos doentes. Ele próprio passava, de manhã cedinho, de cama em cama, servindo a todos os doentes uma bacia de água para que lavassem a boca e os ajudava a escovar os dentes e a limpar a língua com um instrumento de prata.
Dava aos doentes a possibilidade de levar as mãos e o rosto, ajudando-os com muito carinho. Cortava as unhas de que precisava, raspava a barba, cortava os cabelos e desinfetava a cabeça de parasitas, praga muito comum na época. “Antes do almoço e do jantar dos pobres, o irmão enfermeiro corporal ofereça-lhes água para lavar as mãos, pondo, no inverno, água para esquentar, e o irmão enfermeiro espiritual ofereça-lhes as toalhas, que… deverá trocá-las duas vezes por semana, aos domingos e às quinta-feira.
Camilo se preocupava também com a limpeza das enfermarias dos hospitais. Arrumou uma pazinha de ferro e “com ela, todos os dias, raspava e limpava o pavimento do hospital grande de Milão…para que os doentes não sujassem os pés quando levantavam”.
No inverno fazia questão que houvesse gorros, meias, tamancos, agasalhos e outras coisas necessárias para abrigar os doentes contra o frio. Não se preocupava apenas com os doentes do hospital onde estava, mas se preocupava também com os que estava longe, escrevendo e interessando um ou outro dos seus Religiosos. Lembrava ao superior de Milão e ao enfermeiro chefe daquele hospital, que pedissem ao mordomo “um gorro de pano grosso para cada doente, a fim de que não fiquem como agora, sem nada na cabeça, sobretudo com esse frio, pois devem sofrer muito”.
A Noite, quando estava de plantão, lá pelas tantas, preparava e dava aos mais fracos, fatias de pão esquentado e ensopado em vinho de primeira. Uma noite, embora estivesse chovendo muito, foi dormir no hospital a fim de se levantar a certa hora e servir um ovo fresco a um doente: “se não for” dizia, quase para justificar sua caridade “quem servirá o ovo àquele doente”.
Recorria aos benfeitores e benfeitoras para que arrumassem algum prato especial para certos doentes. Muitas vezes ele próprio saía para procurar ovos frescos, mel, licores, frutas ou marmeladas.
A caridade levou-o a preparar e a dar a papinha aos bebês. Quando, por falta de nutrisses, não conseguia ter leite suficiente, procurava cabras para atender às necessidades.
Possamos também nós a exemplo de São Camilo crescer cada vez mais no amor e no desejo sincero de servir Cristo na pessoa do Irmão Enfermo.
Ó Maria, Sede da Sabedoria, intercedei como nossa Mãe por todos os doentes e quantos cuidam deles. Fazei que possamos, no serviço ao próximo sofredor e através da própria experiência do sofrimento, acolher e fazer crescer em nós a verdadeira sabedoria do coração.
Padre Tadeu dos Reis Ávila.
Camilo sempre será uma referência da misericórdia presente no meio de nós. O seu exemplo deve orientar os profissionais de saúde, os agentes de pastoral, os sacerdotes, diáconos, ministros da Sagrada Comunhão e demais pessoas que lidam com os doentes.